Da antiguidade ao ideário iluminista, uma formação para a vida adulta
O termo latino adulescentia era utilizado no Império Romano para descrever e delimitar um período específico na vida dos cidadãos, conforme previa a rígida hierarquia patriarcal. A adulescentia era caracterizada como um momento anterior à participação na vida comunitária, que ocorria somente a partir da iuventus.
A sociedade romana reconhecia o poder dos pais não apenas para decidir sobre a vida e morte dos filhos, mas também para determinar o prolongamento das fases da vida. Cabia portanto, aos pais determinar o momento em que o indivíduo podia, então, ser reconhecido como adulto. (Fraschetti, 1996, apud Matheus, 2007).
Na Grécia Antiga, o termo que mais se aproximava da idéia de adolescência era efebo e contemplava um momento de preparação e formação para a vida adulta. Os efebos eram introduzidos às práticas adultas por um adulto chamado erastés (amante). Através do cortejo, o erastés oferecia ao efebo presentes e lhes apresentava as práticas eróticas, as atividades juvenis, como a ginástica, a equitação, a prática reflexiva e a filosofia. A posição e o status como cidadão dependia da forma como o jovem efebo se comportava na relação amorosa com o erastés.
Também na Idade Média européia, encontramos registros do uso do termo adulescentia. O jovem medieval tinha uma função ambivalente de manter a ordem social, mas também de transgredi-la. (Pastoureau, 1996 apud Matheus, 2007). Os jovens assumiam tanto a posição de mantenedores dos valores e costumes sociais, como o controle da sexualidade em geral, como também lhes cabia questionar, em nome dos adultos, as normas e condições postas. Conforme destaca Schindler (1996 apud Matheus, 2007), os jovens eram reconhecidos como portadores de uma liberdade própria da juventude que lhes permitia o questionamento e a transgressão.
É apenas na Idade Moderna que a noção de adolescência, como momento de turbulência e crise surge, consolidando-se na contemporaneidade. A cultura européia dos séculos XVII e XVIII, herdeira do pensamento antropocêntrico, localiza o homem no centro do universo, anunciando o desafio da formação de um novo homem capaz de realizar o ideário iluminista, marcado pela idéia de racionalidade e de autodeterminação.
A escola passa a ter, nesse momento, um papel fundamental tornando-se a encarregada pelo ensino, vigilância e enquadramento. Uma amostra desse pensamento está presente no clássico ficcional Emílio - ou Da Educação. Neste texto, Rousseau (1999 [1762]) descreve a formação de um aluno imaginário. Baseando-se numa organização etária em fases discriminadas [1], Rousseau aponta para uma educação progressiva, adaptada às necessidades de cada estágio e capaz de afastar os males sociais aos quais cada um desses momentos está exposto. No Livro IV a adolescência é apresentada como um segundo nascimento: “Nascemos, por assim dizer, duas vezes: uma para existir, outra para viver; uma para a espécie, outra para o sexo”. (Rousseau, 1999 [1762]: 271).
A compreensão de Rousseau privilegia o fator biológico como determinante para a passagem da infância para a vida adulta, mas aponta também o caráter de crise que se associará ao termo na modernidade: “Mas o homem, em geral, não foi feito para permanecer sempre na infância. Dela sai no tempo indicado pela natureza, e esse momento de crise, embora muito curto, tem longas influências.” (Rousseau, 1999 [1762]: 271).
O termo crise, aqui utilizado, faz referência tanto a idéia de um momento crítico e dramático, próprio à adolescência, como aponta para a enunciação de um veredicto, destacando o potencial enunciativo que gira em torno desta fase.
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[1] A partir das fases de desenvolvimento do personagem-título, Rousseau organiza os diferentes livros que compõem sua obra. No Livro I trata da “A idade de natureza” que diz respeito ao bebê (infans); no Livro II: “A idade de natureza” trata do puer de 2 a 12 anos; no Livro III: “A idade de força” referente ao indivíduo dos 12 aos 15 anos; no Livro IV: “A idade de razão e das paixões” dos 15 aos 20 anos, que mais se aproxima daquilo que conhecemos hoje, como adolescência; e finalmente o Livro V: “A idade de sabedoria e do casamento” que compreende a idade de 20 a 25 anos. (ROSSEAU, 1999 [1762]).
Autora: Marina Reigado I Psicóloga Clínica
Consultório Rua Guajajaras, 1470 - Barro Preto
Belo Horizonte I Minas Gerais
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